Blog Archives
4 No útero frio do oceano
Muitos preferem patrulhar as fronteiras dos géneros do que explorar os baldios sem definição. Talvez por isso Bioshock tenha despertado entusiasmo e estranheza em igual medida. Fenómeno curioso, então, que foi um jogo com direito a discussões filosóficas sobre o livre arbítrio mas que quando chegava a hora de jogar, era sobre enfardar em mutantes com máscaras de coelho que andavam pelas paredes. Tudo porque Ken Levine suportou quase sozinho o peso de afirmar que Bioshock era “apenas” um first-person shooter enquanto todas as outras pessoas falavam de como era “mais” do que isso. Nada de novo no território lúdico, portanto: mais uma vez tínhamos em mãos um design de linhagem emergente (Thief, System Shock, Deus Ex) que escondia grandes questões por detrás da simplicidade das suas mecânicas de jogo e mais uma vez tínhamos um design de 19XX que se voltava a tornar popular em 20XX. Para uma certa elite de jogadores de PC, era alvo de escárnio; para as massas de jogadores de consolas, era um diamante mais brilhante do que os shooters cinzentos a que estavam habituados.
O que teve o seu toque de génio: apesar de tudo era sem dúvida uma maneira de dizer que System Shock, mais de uma década depois e com roupagens diferentes, ainda era um jogo capaz de nos cativar. Se neste mundo de consumo rápido o bestial de ontem é a besta de amanhã, e se a linhagem de certos jogos ou géneros perde algum do seu valor face ao enterro contínuo da nossa memória como se a história fosse uma doença, ali estava uma prova de que as coisas nem sempre têm de se reger por essa regra: ainda era (é) possível conciliar o passado e o presente. Longe da perfeição mas muito perto da ambição temperada, Bioshock era mais que prova de que um design pode ser intemporal enquanto há uma fagulha de savoir faire, e como tal, era também mais que prova do talento de Levine e da Irrational.
Talento esse que parece ausente em Bioshock 2.
Dito de outra maneira: Bioshock 2 é um melhor first-person shooter que o seu predecessor. Simplesmente não é um jogo tão bom.