Sonic Generations (PC), Sonic Team/Devil’s Details
Generations, e outros subtítulos como Gaiden ou Densetsu, tendem a criar um distanciamento desnecessário e são muitas vezes usados para acalmar crianças que rejeitam qualquer tipo de mudanças feitas aos seus jogos favoritos – mesmo que o resultado sejam títulos mais diversos ou aventureiros do que os seus conterrâneos tépidos e portadores de uma qualquer continuidade. É o tipo de palavra que resulta em almoços à borla para executivos apaixonados por folhas de cálculo por ser vendável, seguro e passível de descrever praticamente qualquer coisa – desde conjuntos de Lego ao amor que a Nintendo passou a nutrir pelos idosos, ou dos Rolling Stones à Pepsi.
Mas aqui, o contexto é o de um clube “só para membros”. Aqui está Sonic, a derradeira mascote dos jogos de mascotes que, talvez melhor do que qualquer outra, ilustrou a história da sua companhia quase na perfeição, desde o estrelato à lama, a fazer a sua melhor pose convidativa mas conservadora. Quaisquer que sejam os vossos sentimentos pelos jogos anteriores do ouriço azul, a Sega pensou em todos ao condensar 20 anos de história de Sonic num único título. Todos estão convidados. Para o melhor e para o pior.
Sequências vistosas abundam, música e cor estendem passadeiras vermelhas, mas o contexto é tão frágil quanto a deteção de colisão no jogo. É tudo muito funcional e nostálgico – apenas não é tão vívido e arriscado quanto podia ter sido. Plataformas em espiral ruiem no momento exato em que um impulso de velocidade nos salva a vida, peixes mecânicos que perseguem os jogadores não passam de adereços, inimigos são plataformas convenientes ou pequenos aborrecimentos, e chocar contra perigos escondidos do nosso campo de visão imediata porque fomos forçados a entrar em velocidade terminal ainda são lembretes de que, sim, o “platforming” de Sonic sempre foi escorregadio, na melhor das hipóteses.
Numa nota mais positiva, a inclusão de níveis em falso 2D é bem-vinda apenas porque, tal como aqueles primeiros blocos em Super Mario Bros. nos convidavam a saltar ao seu encontro, também os níveis expansivos e abertos, banhados por um céu azul Sega, que Generations revisita ainda relembram como é correr por eles enquanto se tentava manter o ímpeto. Desde que nunca tenham tido problemas com uma certa automatização no modo como Sonic corre, estes segmentos são um ponto alto – não por serem de algum modo “retro”, mas por serem mais sóbrios e congruentes do que as suas versões tridimensionais. Há também uma série de desafios opcionais que podiam ter sido incluídos nos níveis principais, mas isto é mais sintomático da recusa da indústria japonesa em desafiar a sua audiência do que uma queixa específica contra o jogo.
Vistos isoladamente, a maioria dos elementos de Generations não convence – um sistema de habilidades mal implementado, uma lista derivativa de colecionáveis que ignora a existência do Google e de sites de fãs, e um elenco de personagens horríveis – mas se conseguiram passar a vossa infância a gostar mais de Sonic do que “platformers” como Dynamite Headdy, é uma viagem colorida e jovial.
Eu cá continuo à espera do relançamento do Sonic CD.
Deus Ex: Human Revolution (PC), Eidos Montreal
No seu auge, Deus Ex foi muitas coisas. Um jogo que definiu o PC? Talvez. Um clássico que simbolizou o legado da plataforma juntamente com Thief, Ultima e System Shock? Sim. Um jogo sobre um sacana de gabardina que arruinava a vida das pessoas, incomodava mulheres em casas de banho e curava buracos de bala com barras de chocolate? Definitivamente. Human Revolution é essencialmente o mesmo jogo, uma espécie rara de recreio pessoal e narrativa fixa, onde escolhas e consequências estão no primeiro plano da experiência. É também um exemplo de como muitos andavam a jogar os jogos errados no passado – apesar de todas as alegações sobre a morte do PC enquanto plataforma de jogos, quase todos os sucessos comerciais em consolas partilham o seu ADN.
Os primeiros momentos introduzem Adam Jensen, diretor de segurança das Indústrias Sarif, submetido a uma cirurgia cibernética para salvar a sua vida. Isto estabelece os principais temas do jogo, desde avanços tecnológicos à humanidade e identidade. Em termos narrativos, está no seu melhor quando lida com a rede de amigos e inimigos de Jensen, os conflitos intimamente ligados ao passado da personagem e a ignorar sensatamente grandes teorias de conspiração. No seu pior, para além de algumas alusões com o propósito de titilar pessoas que conseguem citar um jogo com onze anos, não há muito que faça de Human Revolution uma prequela de Deus Ex. O final tenta remediar isso mas o resultado é um serviço de fãs bastante preguiçoso.
Mas é esse recreio pessoal, cheio de oportunidades para subterfúgio, combate e role-play, que realmente interessa. Mesmo no seu mais básico, a ação furtiva é um prazer do qual Splinter Cell se tem vindo a afastar, e o diálogo comporta uma brevidade e perspicácia que a Bioware ainda não atingiu. Os níveis já não são sobre brincar à apanhada em cubículos de escritório como em Invisible War mas no geral são mais diminutos do que em Deus Ex; não é uma crítica em si, dado que o primeiro jogo teve a sua quota de “enche chouriços”. O conjunto de habilidades cibernéticas (“augmentations”) com as quais ficar invisível, corromper sistemas eletrónicos, desligar alarmes ou executar grandes feitos de agilidade são ferramentas maravilhosas, mas não seriam de interesse sem uma infraestrutura robusta. Ela existe, e é fantástica. Tudo o resto é esperteza e programação.
Há alguns soluços. Mesmo que atribuir pontos de experiências por cada inimigo eliminado não roube poder de escolha, é algo que indica claramente quais escolhas são as mais “corretas” ao atribuir mais pontos a métodos específicos – uma armadilha que o primeiro, há uma década atrás, soube evitar. Invadir sistemas eletrónicos, apesar de muito mais contextual do que jogar Pipemania em Bioshock, é basicamente uma versão rudimentar do Uplink da Introversion, e a sua presença chega a ser exagerada, tornando-se quase exclusivamente no único modo de obter informação nos últimos níveis. A implementação do DLC também não é a mais astuta, com extras a invadir o inventário do jogador mesmo antes da primeira missão começar. Escolheram levar uma arma atordoadora para confrontos não-letais? Ótimo, mas mesmo que não queiram, levem também esta caçadeira de dois canos, não vá o Diabo tecê-las. O maior problema é talvez a inclusão de “bosses” de final de nível, um hábito que neste caso nem sequer tem a decência de ser uma aplicação particularmente boa do hábito em si, e que desagua em tiroteios medianos que ignoram o modo como temos desenvolvido a personagem.
Porém, esquecendo isso, o maior triunfo de Human Revolution é o alívio – alguém “entende” o que Deus Ex é, e alguém ainda se importa com isso. Que o jogo consiga fazer muitas coisas bem não deve ser visto como um milagre. Estamos em 2011, a maioria delas devia ser a regra e não a exceção. Mas cartolas devem ser atiradas ao ar e monóculos devem ser ajustados em favor de um jogo que, ao contrário da indústria em si, sabe que o passado pode ser mais do que vender nostalgia.
Subterfúgio, combate, role-play: palavras e mecânicas de jogo promíscuas que nas mãos da divisão de Montreal da Eidos parecem novamente dignas. O mesmo pode ser dito sobre Human Revolution em particular, e sobre Deus Ex em geral. Quem queria laranjas recebeu tangerinas. O que já é melhor do que lima-limão.
Limbo (PC), Playdead
A não confundir com a canção de Bryan Ferry com o mesmo nome – apesar de ambos homenagearem os nomes dos seus trabalhos respetivos com uma certa aridez conceptual – o jogo de plataformas da Playdead foi lançado no Steam há alguns meses atrás, ou seja, hora de me atualizar sobre mais um jogo que não consegui terminar na altura devida. Muitas vezes comparado com World of Goo e Braid, Limbo tem três coisas em comum com esses títulos: uma produção independente, uma base de fãs que erradamente o elegeu como mais um título capaz de causar a derrocada do mercado “mainstream” e puzzles. De todas estas, apenas a última merece atenção.
Limbo é um estudo sobre várias dualidades: os já mencionados obstáculos e plataformas, os visuais elegantes que conjugam nada mais que preto e branco, uma sensação de que se anda perdido mesmo quando se está sempre em movimento, e uma viagem com imagens que vão da alegria ao mais profundo desespero. Os visuais são talvez o seu maior trunfo, já que equilibram muito bem os constrastes visuais e narrativos do jogo. Há sinais de uma linguagem visual que, mesmo aquém do seu potencial, é bem usada (como a luz que irrompe pelos cenários quando o protagonista escapa a algo por um triz ou sobrevive a um salto arriscado) e detalhes que merecem ser vistos em vez de descritos.
Mecânicamente, Limbo gira em torno de “platforming” melindroso e uma curva de dificuldade que, sem ser obstinada, leva a muitos erros e tentativas. Menos positivo é o contexto destes puzzles na segunda metade do jogo; o que começa por ser um campo orgânico de jogo acaba por se tornar num crescendo de caixas e alavancas que mal consegue fugir do tédio. A maior parte destes obstáculos não é difícil de compreender ou resolver, mas parecem dizer adeus cedo demais aos momentos iniciais de descoberta que os acompanhavam. Felizmente, e ao contrário de Braid, cujas soberbas mecânicas de jogo eram desiquilibradas pela narrativa condescendente, Limbo tem a verve de deixar os jogadores perceber as coisas sozinhos.
Obviamente, este tipo de estilo torna-se numa espada de dois gumes, se bem que catalogar Limbo como “vago” não é um insulto mas sim uma declaração de intenções, uma que os próprios autores fizeram. Uma interpretação da história parece-me desnecessária – muitas teorias já foram avançadas, desde situar o jogo num pesadelo a um autêntico limbo e até em guerras mundiais – já que a experiência no geral não tenta unificar, nem sequer justificar, todos os elementos. Olhando para o que lá está, é um punhado de níveis com alguns momentos notáveis e um estilo que ajudam a elevar um jogo de resto bastante simples; mas convenhamos, não precisa de ser mais que isso para oferecer cerca de três horas agradáveis.
Ao contrário do que os seus defensores querem que vocês pensem, Limbo não é uma experiência “tocante” que “subverte o meio de maneiras interessantes”. É, todavia, um jogo que cumpre tudo aquilo que se propôs fazer, capaz de uma beleza subtil sem sucumbir às habituais aspirações “indie”, e de oferecer a quantidade certa de coração e jogabilidade sem se tornar noutro The Path.