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2 Isto Não é um Manifesto do Novo Glitch
Notas sobre horror involuntário, histórias de assombrações, erros vs. intenção
(O artigo que se segue contém spoilers sobre Silent Hill 2 e Eternal Darkness)
Aqui está uma história de terror se quiserem acreditar nela.
O cenário é a versão de 1999 de Alien vs. Predator da Rebellion, ao longo dos corredores do nível Derelict enquanto Alien. Este é considerado um nível de bónus, apenas desbloqueado depois de jogar vários níveis na campanha singleplayer.
Depois de comprar o jogo não conseguia parar de jogar durante horas, dias, meses. Não desistia até cronometrar níveis com o Alien a alta velocidade, a aprender os caminhos e movimentos ideais para cada cenário. Percorrer aqueles corredores e paredes a 360 graus era uma emoção que Descent nunca conseguiu suscitar e passava dias a jogar como um xenomorfo, a provocar Marines e civis enquanto desbloqueava opções como dentadas à distância, o equivalente a ser um atirador furtivo Alien.
No entanto, a provocação tornou-se num castigo. Lembro-me de um dia passado a jogar continuamente durante horas e o meu computador a zumbir como um Sopwith prestes a rebentar. Mas estava a divertir-me demais a tratar os humanos como marionetas, a esconder-me nas sombras, a encenar guerras relâmpago contra os Marines e depois fugir; conseguia ouvir os gritos deles a ecoar pelos corredores enquanto fugia para evitar o fogo das suas armas. A dada altura, algo aconteceu. Os Marines começaram a gritar e a fugir mais vezes.
E faziam isto mesmo quando estava a milhas de distância.
Um “wtf?” juvenil passou pela minha cabeça e decidi investigar, não deixando de parte tácticas de intimidação e refeições ocasionais. Recordo claramente ver algo que não tinha presenciado até então: um Marine a largar a sua arma de fogo e a fugir. Aquele “wtf?” estava agora em letras maiúsculas. Outros soldados mostravam mais garra, a correr ao meu encontro e a disparar à queima-roupa. Um rodopio da minha cauda negra e algumas refeições vorazes depois decidi perseguir o Marine que escapou. Por esta altura tudo à minha volta era puro caos, com os Marines em lamentos dolorosos, a gritar, a implorar por misericórdia, a disparar contra tudo e nada. Empoleirado numa geometria grotesca dos anos 1990, não conseguia perceber o que se passava. Subitamente, ao longe, vi aquele que escapou, as suas mãos sobre a cabeça como um refém a correr pela vida num jogo Ghost Recon. Persegui-o por todo o mapa durante vários minutos, até que o perdi, e depois voltei a encontrá-lo – agachado perto de uma porta. Esgueirei-me até ele, rastejando silenciosamente. Quando estava perto o suficiente soltei o botão de agacho, erguendo-me como se estivesse a reencenar as criaturas nos filmes. A tremer, a respirar fundo, ele vira-se lentamente para mim e grita.
O jogo encravou mas o grito continuou.
E continuou.
E continuou.
E continuou até eu reiniciar o computador.
Hoje em dia a sua geometria pode ser simples, as expressões faciais dos Marines podem ser rídiculas, mas aquele medo quando confrontado com o inesperado foi bastante poderoso. Mal voltei a tocar no jogo desde então e não conheço ninguém que alguma vez tenha encontrado o mesmo erro; tentativas posteriores de repetir a situação foram um fracasso. O horror não intencional foi magnífico e em certa medida, muito mais assustador do que tudo o que jogo tinha para oferecer. E isto apenas podia acontecer num jogo – onde somos mais susceptíveis a acreditar em fantasmas na máquina. No blogue Five Players, Rich McCormick falou de como as histórias de terror estão a emergir a partir de videojogos, a substituir contos à volta da fogueira por perversões das memórias de infância que temos de jogos, e como partilhamos isso online. Em alguns casos tratam-se de glitches, encenados de modo a captivar a audiência.
O que pode o erro (o “glitch”) fazer pelos videojogos, além de benefício pessoal para quebrar um jogo? Considerando o glitch de AvP, e se aquilo fosse intencional, para mostrar um tipo diferente de causa e efeito, de potencial narrativo? E se a ideia tivesse sido aplicada conscientemente a outros jogos? Seriam necessários narradores e designers exímios para transformar a intenção num erro. Afinal de contas, se não é espontâneo e imprevisível deixa de ser um glitch – apenas uma função pré-determinada à espera de ser activada. É o efeito secundário, e não a intenção, que fazem dele um glitch. Mas poderá o design de videojogos aprender algo com o glitch?