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Comments Off RE5 > RE4

Como revitalizar um género? Quando Castlevania II: Simon’s Quest foi lançado em 1987, a Konami acreditava estar a responder a essa pergunta, apesar da indústria e do público não beneficiar da maturidade suficiente para a considerar. Seria de esperar uma certa revolta, mas ninguém preveu que o design só fosse aceite dez anos depois com Symphony of the Night. No espaço entre ambos os títulos, Castlevania tornou-se um jogo criado a pensar apenas num mercado; depois de Koji Igarashi ter assumido o manto de produtor da série, pouco ou nada mudou. Eventualmente alguém – talvez o próprio Igarashi – decidiu voltar a olhar com respeito para o público. Order of Ecclesia devolveu fricção ao combate, mostrou que “desafio” podia voltar a ser mais do que cúbiculos infestados de sprites repetidos, e que tinha mais a oferecer do que bishōnen e role-play espasmódico. Foram só precisos onze anos desde Symphony, e o resultado está mais próximo a Rondo of Blood – o último Castlevania “tradicional” com cérebro e músculo.

Parte insurreição, parte capricho adolescente, Resident Evil 5 foi outra vítima do mesmo tipo de opinião pública apesar da recepção errática da crítica e dos jogadores ter tido outros contornos. A crítica disparou o termo “racismo” na esperança de trazer maturidade à discussão de videojogos; os jogadores apontaram o dedo para Jun Takeuchi, produtor do jogo, na vã esperança de encontrar nele o único responsável por uma “terrível” mudança; a Capcom, assombrada pelo mesmo espectro que pairou sobre a Konami, adiantou que Resident Evil 6 seria um recomeço da série – mesmo antes de RE5 ser lançado. Como que a pedir desculpa pelo jogo.

Como outros estúdios, a Capcom já provou que mesmo quando entende o design base dos seus jogos, tanto pode aplicar a fórmula espectacularmente bem como terrivelmente mal. Mas não foi o caso, e apenas uma crítica à procura de relevância e um público temente à mudança podiam amedrontar a Capcom de tal modo. Porque apesar das semelhanças que partilha com Resident Evil 4, foi nas diferenças que ultrapassou a sequela. Ao pegar numa estrutura já de si bem oleada, reconfigurou apenas os elementos necessários para criar algo reconhecível (e ainda inteiramente merecedor do nome Resident Evil) mas superior ao que veio antes.

Sim, estou a dizer que Resident Evil 5 é melhor do que Resident Evil 4.

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Comments Off A estrela de rock que queria ser roadie

Sobre Brütal Legend, Tim Schafer e os seus jogos

Nos velhos tempos, as revistas de videojogos atenuavam alguma da nossa indecisão na hora de comprar jogos. Conhecíamos a Nintendo pelos visuais encantadores; conhecíamos a Taito pelos seus shooters bem oleados; conhecíamos a Data East, para além de um número de jogos medianos, por aquela máquina de pinball de Guns N’Roses. Mas além de revistas especializadas e dos nossos amigos pouco sabíamos sobre quem desenvolvia o quê. Tudo mudou com o crescimento da internet: de um dia para o outro as companhias deixaram de ser entidades indecifráveis e começámos a descobrir os nomes de quem trabalhou naqueles níveis, de quem criou melodias fantásticas a partir de máquinas de 8-bits, de quem deu tudo de si nas animações daqueles sprites. A dada altura os jogadores começaram a compreender a noção de autor e de repente Mario e Zelda já não são produtos da Nintendo mas sim jogos de Miyamoto. Metal Gear Solid deixou de ser um jogo da Konami para passar a ser uma “criação” de Kojima. Surge a ideia de que os videojogos podem ser mais do que ordenados ao fim do mês e que alguns criadores têm uma voz ou uma visão. Surge a ideia de que esta indústria talvez não seja apenas sobre relatórios financeiros mas sim sobre “arte”. Surge a ideia de que certas pessoas na indústria merecem ser elevadas a um certo estatuto, mesmo que o júri seja composto por quem não sabe o que é “arte” ou sequer o que é um videojogo.

O que não quer dizer que, de vez em quando, os videojogos não consigam ir para além de si próprios sem com isso perderem o que os torna únicos e diferentes de outras formas de expressão. É discutível a relação entre tentativa e sucesso; menos discutível serão os templos mediáticos consagrados a certos nomes. Tim Schafer é um desses casos onde a reputação eleva um criador à condição de estrela de rock, com direito à admiração dos jornalistas, ao respeito dos seus pares e à adoração do público. Antes de Brütal Legend, Schafer já era uma lenda. Porquê? Quando Psychonauts viu a luz do dia a imprensa fomentou a imagem de um designer brilhante cujos jogos eram repletos de mundos e momentos fantásticos de comédia, mas cujos controlos e mecânicas por vezes medíocres os impediam de ser reconhecidos. O que não deixa de ser caricato. Antes de Psychonauts, Schafer só havia trabalhado em jogos de aventuras – um género onde os controlos e as mecânicas são geralmente irrelevantes. E o único jogo anterior a Psychonauts onde Schafer exerceu controlo autorial em absoluto foi Grim Fandango.

Dá que pensar: toda aquela reputação foi construída em torno de apenas um jogo. É possível que a falta de reconhecimento de Schafer por parte do público tenha resultado de uma ideia errada promovida pelos próprios jornalistas que quiseram celebrar o trabalho do homem mas que não fizeram o trabalho de casa?

E se sim, quanto dessa reputação foi responsável por Brütal Legend?

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