8 Smash #12

A “nova geração”

Jogo há pouco mais de 20 anos. Como tal, já vi muito. E como tal, ainda não vi nada.

Em 1992 a Microprose, um estúdio fundado por Sid Meier, lançou Darklands. Um jogo de role-play medieval, era uma das coisas mais belas que se podia ver no género. Entre outros atractivos oferecia um mundo ‘sandbox’ de uma liberdade e variedade enormes, um sistema de combate em tempo real que permitia pausar a acção para decretar ordens, e inúmeras consequências para as nossas acções. Em 2009, a Bioware lançou Dragon Age: Origins o qual, passe os seus méritos, tem uma dívida não tão pequena quanto isso para com Darklands e outros jogos antigos.

Foi portanto com certa angústia que vi os meus companheiros de redacção elogiarem o jogo da Bioware durante um almoço. “Que decisão tomaste?” ou “viste quando aquela cidade foi completamente destruída?” eram perguntas frequentes. Lá impedi o taberneiro dentro de mim de bater na mesa e perguntar se ninguém ali tinha jogado, entre outros, jogos como o Fallout original, cujo exército de mutantes destrói cidade a cidade caso o jogador demore tempo demais a impedir o seu líder. Ou sequer a sequela que, entre outros exemplos, vai afixando posters de procurado nas principais cidades consoante a escala dos nossos crimes ou nos permite aplicar uma tatuagem de esclavagista na testa, o que irrita muitas personagens chegando mesmo a haver quem cuspa aos nossos pés só por termos tomado essa decisão.

Não pergunto porque não é  preciso perguntar. Apenas é preciso dizer que a nossa relação com os videojogos é e sempre será algo pessoal. Por muito que se pense o contrário, a cada nova geração de jogos e de plataformas o que marca são as experiências. Será justo menosprezar essa sensação de descoberta apenas porque é tardia em comparação quanto à nossa?

Sim, é peculiar ver fãs de Killzone elogiarem o jogo baseado nas opções de espreitar a partir de paredes como se first-person shooters no PC nunca o tivessem feito antes, ou ver como hoje se fala de Guitar Hero como se Space Channel 5 nunca tivesse existido, ou elogiar as relações pessoais entre personagens de Mass Effect como se Planescape: Torment e Chrono Trigger nunca tivessem mostrado o poder da emoção. Mas há aí um certo conforto: esses jogos existiram mas, mais que isso, existiram para quem os jogou. Que hoje podem ou não apreciar as reinterpretações modernas desses elementos mas cujos momentos passados com eles foram irrepetíveis. Quando Andrew Ryan me convidou a explorar a sua visão em Rapture, não esqueci System Shock 2 – também esse pela mão da Irrational – e a sua visão muito peculiar e, convenhamos, de onde Bioshock retirou virtualmente toda a sua inspiração. Mas já lá vai uma década – e mesmo que a magia daquele primeiro impacto não tenha desaparecido, a força do segundo não deixou de estar lá.

Seria bom partilhar com amigos ou até  com os meus colegas de redacção os jogos que me marcaram ou que influenciaram directamente o design de muitos jogos actuais, mas já não parece tão necessário quanto isso. Não há como evitar – um dia, o presente será o futuro deles, e será tão importante para eles quanto o nosso passado foi. Para mim a “nova geração” não significa hardware ou jogos novos mas sim esse poder de descoberta, esse primeiro impacto que os jogos ainda podem causar de tempo em tempo.

Já vi muito mas aposto que ainda vou ver muito mais.

Esta coluna de opinião pode ser encontrada na revista Smash! 12, já nas bancas. Nesta edição, há também um especial de seis páginas sobre Fallout: New Vegas onde traço o percurso da série desde o seu início até à actualidade, e análises a Napoleon: Total War (PC) e Endless Ocean 2 (Wii). Para finalizar, escrevi também um artigo de opinião, Um Salto de Fé, sobre a filosofia da Ubisoft e de outras editoras perante a pirataria digital e como regra geral, é o consumidor legítimo que sai mais prejudicado.

PS: Não se falou aqui da Smash! 11 como forma de protesto por não terem publicado a minha coluna de opinião. Nerd rage!

PPS: Um grande abraço ao Gonçalo Brito, que assim encerra um ano de viagem com a Revista Smash!, e parte em busca de novas aventuras. Salute!

8 Responses to Smash #12

  1. Olá Alex :)

    A descoberta é sempre importante mas verdade seja dita, é compreensível que nem sempre se consiga enveredar por ela. Tens o exemplo da evolução das plataformas – há clássicos, ou que jogos que quase o foram, perdidos no tempo devido a alterações de software e hardware. Felizmente, há serviços como o Good Old Games que restauram esses jogos e canais de distribuição nas principais consola desta geração que estão a dar a muitos jogadores a oportunidade de descobrir imensos jogos. Claro que isso nem sempre é possivel – tens jogos como Seiken Densetsu 3 (Secret of Mana 2), Shin Megami Tensei, Front Mission: Gun Hazard, que só através da tradução e emulação puderam ser descobertos, e inúmeros jogos de PC que mesmo com a ajuda de programas como o DosBox não conseguem ser jogados.

    Mas um dos melhores exemplos que me ocorre é Metal Gear 2: Solid Snake, para a antiquissima MSX, que não foi lançado fora do Japão. O resultado é deveras awesome: quase tudo o que Metal Gear Solid fez, MG2 já tinha feito. Talvez por causa disso aquele primeiro impacto com o jogo de Kojima na PSX, sem conhecimento prévio do jogo de MSX, tenha sido mais marcante. E outro exemplo, também nos arquivos da Konami, está patente em Castlevania: Rondo of Blood. Symphony of the Night foi muito bom mas os jogadores ocidentais nunca souberam que a estreia da série na PSX reciclava imensa artwork e músicas de Rondo – mais uma vez porque Rondo só viu a luz do dia no Japão.

    Em todo o caso, espero que as pessoas continuem a descobrir o passado sem se perderem nele, porque também há muito do nosso presente que vale a pena e, mesmo que não seja uma evolução drástica face ao que já se fez, conquista com outros atributos.

  2. Grande Gonzas :D

    Hehe, não sei se será do melhor mas pelo menos dou o meu melhor. Enquanto isso chegar, é bom o suficiente :)

    Abraço :)

  3. Olá, Izilthir :)

    Claro – divulgar um pouco mais as raízes, quer do meio quer do percurso que temos vindo a trilhar no mesmo, é sempre importante. Sem perceber o passado não se pode entender o futuro. Não esquecendo isso também é importante relembrar que cada coisa tem o seu tempo. Recentemente, dois jogos lembraram-me disso: Fallout 3 e Bioshock. Tudo porque os originais marcaram períodos importantes da minha formação lúdica, por assim dizer, e tive que julgar cada um pelos seus méritos. Poderia dizer que se perderam os aspectos tácticos de Fallout e que Shodan era uma antagonista muito mais marcante do que Andrew Ryan, mas não há como afastar as virtudes das novas iterações, como o mundo vasto de FO3 e o segmento “would you kindly?” em Rapture.

    São distinções sempre necessárias mas que também correm o risco de diluir uma consideração final. Há que equilibrar ambas :)

  4. Obrigado pela tua visita Joana, és sempre bem vinda :)

    Foi uma falha de comunicação, e é por isso que na 12ª edição surgiu o artigo “Um Salto de Fé” – tinha sido originalmente uma das colunas de opinião que enviei, mas que depois foi adiada e “remasterizada” para ser um artigo.

    E claro, entendo e partilho esse sentimento. Ainda para mais esse detalhe do qual também não estou isento: ter conhecimento sobre épocas passadas mas também lamentar não ter conhecimento sobre outras áreas. Há sempre uma série de condicionantes para isso e torna-se uma questão de temperar a nossa atitude. Há tempo para reviver e descobrir. E posso dizer sem medos que desde que comecei a trabalhar e a conviver com a equipa da Smash, isso tem sido uma constante :)

  5. alex says:

    Mais uma vez um bom artigo e já sei o que de bom me pode esperar a Smash deste mês! :D

    Bem, falando sobre o teu texto, acho que faço parte daqueles que está agora a descobrir. Não que não tenha jogado nas gerações anteriores, mas acho que não tinha a “maturidade” suficiente para sequer entender o quão grande era aquele universo, e com muita pena minha. Agora pronto, aproveito a maioridade para reflectir melhor sobre aquilo que me passa pelas mãos :P

    Abraço e continuação

  6. Excelente artigo. Obrigado pelo abraço. Pimbas tá retribuído :)

    Long live this blog! É do melhor que se faz sobre jogos nos tempos de hoje.

    Keep it up :)

  7. Izilthir says:

    Excelente artigo de opinião, sendo que discordo parcialmente com a tua definição de nova geração e também acho que nos cabe a nós a divulgação das raízes dos videojogos, afinal de contas um pouco de cultura geral apenas ajuda a enriquecer a experiência de gaming desta nova geração.

  8. Joana Arnaud says:

    Fiquei muito contente com o regresso da tua coluna. Tal como já tive oportunidade de te dizer pessoalmente, estas tuas linhas formam um dos meus momentos preferidos na Smash!

    Estar minimamente dentro do meio e conviver diariamente com pessoal que joga com alguma periodicidade há já largos anos, implica uma troca de opiniões sobre o que é que se está a experimentar. E são raras as conversas em que não me sinto pequenina porque me falta imensa cultura.

    A contrario, quando falo com quem só agora começou a descobrir este Universo e diz que determinado jogo é fantástico, porque para ele/ela é uma novidade, sinto-me como tu descreveste, com vontade de, e acordando o meu “eu” rabugento, abrir uma série de MAS à sua afirmação.

    Mas, no fim, o que interessa é mesmo “a descoberta”. =)

    De parabéns, mais uma vez