4 Smash #10

Just press Start

Recentemente, o site Gamasutra entrevistou Hiroshi Aoki, produtor de Space Invaders Extreme para a Nintendo DS e um veterano da Taito – um estúdio que influenciou profundamente o nosso meio e que, hoje em dia, é uma divisão de jogos de arcada da Square-Enix.

Durante a entrevista Aoki faz o seguinte comentário: «nos meus jogos, quando carrego no botão Start, quero entrar imediatamente no jogo; não quero cutscenes inúteis. Preocupo-me com coisas como tempos de resposta ao carregar em botões, coisas que eram tratadas muito mais seriamente nos meus projectos de arcada».

Destaque para botões e reflexos em vez de sequências cinematográficas. Um ponto de vista que não deve convencer muitos de vocês, certo?

Mas talvez devesse.

Porque usamos o termo “videojogo”? No primeiro contacto com o meio apenas conseguimos descrever o seu elemento visual, o que pode ter sido responsável pelo rumo da indústria – como o apelo ao fotorealismo. Entretanto, cada nova geração de consolas e de jogadores vai olhando com desdém para o passado, como quem se sente embaraçado ao cruzar-se com uma ex-namorada na rua.

Parte do problema com o termo é que o usamos para descrever coisas tão distintas como Burnout Paradise, Dragon Age: Origins ou Grand Theft Auto 4. Mas quer sejam bons jogos ou não, todos eles – e muitos outros – oferecem actividades que podemos encontrar fora do meio. Certo, o jogo da Criterion permite-nos ter mais “tomates” que senso comum e espatifar veículos a alta velocidade. Mas qualquer um de nós pode conduzir. Qualquer um de nós pode inventar personagens e conversar sobre eles à volta de uma mesa sem ter que jogar a um role-play electrónico. Qualquer um de nós pode jogar uma partida de futebol sem ser através de FIFA.

É por isso que quem critica alguns jogos antigos e certos títulos casuais parece não compreender o que os jogos são. Space Invaders é um videojogo. Um videojogo que não é futebol (como FIFA), que não é sobre conduzir (como Burnout), que não é sobre fantasiar em torno de personagens e conversar com amigos (como World Of Warcraft), que não é sobre música (como Rock Band) e que não tem a pretensão de ser um filme (como Heavy Rain).

É um videojogo que nunca quis ser mais que isso. Porque é que alguns jogadores sentem vergonha disso? Porque é que alguns jogos são considerados menores por serem honestos, e outros são considerados magníficos apenas quando simulam aspectos da realidade ou procuram legitimidade ao imitar outras formas de arte?

Ide para vossas casas. Ide jogar os vossos jogos de condução, de desporto e ver horas de sequências cinematográficas. Depois olhem pela janela. Lá fora alguém vai estar a fazer o mesmo que vocês: miúdos a jogar à bola, pessoas a conduzir pela estrada, alguém a pagar bilhetes para ir ao cinema. O que ninguém vai estar a fazer é controlar uma nave e a enfrentar uma horda imparável de criaturas alienígenas com poucas probabilidades de sobrevivência. E isso é o tipo de experiência que só os videojogos vos podem oferecer.

Seria desonesto afirmar que os videojogos não devem ser mais que isso. Mas não será também desonesto ignorar jogos que celebram o seu legado cultural através das virtudes que sempre os distinguiram de outras formas de expressão? Quando o futuro chegar, que vamos celebrar no nosso passado colectivo: experiências que podíamos encontrar fora dos videojogos ou momento únicos e apenas possíveis neles?

Está nas vossas mãos.

Esta coluna de opinião pode ser encontrada na revista Smash! 10, já nas bancas. Nesta edição, há também uma análise a Torchlight (PC), um especial sobre Dead Space 2 onde levámos o nome do jogo a sério demais na paginação, e um artigo sobre Os 30 Melhores Jogos Indie Que Não Podes Perder, que é como quem diz, angústia por deixar para trás tantos outros fora da lista.

4 Responses to Smash #10

  1. Exacto, Abul, é um bocado como me sinto também nos últimos tempos. E leia-se que “um bocado” é “muito” e “últimos tempos” é “há cerca de uma década” :P

    É, de resto, uma atitude bastante perversa. Compreendo o contexto de perceber que se procura uma certa legitimidade do meio (não precisa por virtude de que já é/já foi capaz de criar o seu próprio lugar, as suas próprias regras, a sua própria cultura), mas é uma maneira terrivelmente limitada e limitadora de o alcançar.

  2. Boas Nelson, bem-vindo ao blogue :)

    Bem, no caso particular de shooters (mas algo que também acontece noutros géneros), há sempre lugar para a inovação ou, na ausência dela, na reinterpretação – a última é a mais comum, claro. por acaso e em jeito de spoiler, a minha próxima coluna de opinião fala levemente sobre isso. Temos jogos cujo design hoje parece fresco e arrojado – casos como Bioshock – que na verdade devem grandes dívidas a jogos mais antigos (há toda uma série de jogos como Ultima Underworld, System Shock, Thief e Deus Ex que contribuiram para a visão de Rapture, por exemplo; e apesar do jogo da Irrational ter o seu mérito, é uma linhagem que passa despercebida a muitas pessoas).

    O mais desanimador na entrevista a Aoki é que aquela frase é aplicável aos jogos em geral. Há, por exemplo, grandes elogios tecidos a estúdios como a Bioware sobre como criam relações entre personagens mas quase ninguém discute como os “tempos de resposta ao carregar em botões”, entre outros factores (todos eles relacionados com a interactividade ou a reciprocidade, sem as quais os jogos não eram jogos) podem também significar relações entre narrativa e jogador. Há uma atenção maior dada às histórias que os videojogos tentam contar através da apropriação de uma linguagem estílistica exterior a eles (sendo o cinema exemplo principal disso) do que aos próprios mecanismos e regras. Na minha opinião conduzir, ouvir estações de rádio e interagir com os habitantes virtuais da metrópole de GTA IV, por exemplo, são infinitamente mais interessantes do que ver e ouvir Nico a “representar”.

    É por isso que Another World/Out of This World é, muito provavelmente, o meu videojogo favorito de todos os tempos. Como parte de um género era quase inclassificável (não porque era impossível reconher a acção, o shooter, a aventura e as plataformas no jogo mas porque fundiu tudo isso de modo exemplar), como narrativa era “cinemático” antes do termo ser aplicado a certos videojogos (ausência de diálogo e de HUD, por exemplo, além de que “cutscenes” fulcrais para a história eram raras), e construía uma teia de relações entre a narrativa e o jogador ao associar elementos visuais e de controlo a certos contextos (a amizade entre o protagonista e o alienígena, por exemplo, era implícita ao jogar, não a ouvir e ler mais de 60 horas de diálogo).

    Hoje em dia é um jogo de culto. É também uma lição que a maior parte dos estúdios nunca chegaram a aprender. E é, muito provavelmente, um dos jogos mais “jogo” que alguma vez foi feito.

  3. Um texto que reflecte tal e qual as ideias a vaguear na minha cabeça. De facto, o problema não é haver as “outras coisas” (jogos de futebol, “heavy rain”). Para mim, é o burburinho criado à volta “disso”, uma espécie idolatração quando um videojogo se aproxima de outro media (filme(cutscenes), livros (narrativa), etc) — quando um videojogo é o que descreves e paradoxalmente é o que tem menos “espaço de antena”.

  4. Nelson Roque says:

    Para a frente é escuro… além do consumidor estar mais exigente acho que os verdadeiros shooter já passaram por nós. O que vemos são sequelas e simples remakes do passado.

    Continua a escrever em português, visita o meu blogue, também de videojogos!

    http://gameracoriano.blogs.sapo.pt