Pequenas subversões
Quando foi a última vez que se divertiram?
Deixem-me ser mais específico: quando foi a última vez que se divertiram com algo que normalmente seria visto como uma desgraça? Para além da última vez que viram o “Ídolos”, claro. A última vez que isso me aconteceu foi numa caverna. Sem querer activei uma armadilha. Uma pedra enorme cai e começa a rebolar na minha direcção. Rapidamente lanço uma corda que se prende ao tecto e subo por ela a correr. A pedra passa por mim, destrói uma parede e leva com ela o dono de uma loja. Com o caminho aberto, levo ao bolso os produtos do homem e saio dali a assobiar.
Não, esperem. Minto. A última vez foi quando encontei uma donzela em apuros. Como cavalheiro que sou, carrego-a aos ombros durante alguns minutos até que me distraio e reparo tarde demais numa cobra à minha frente. Sem tempo de reacção suficiente para usar o meu chicote no réptil, tomo a única decisão possível. Atiro a miúda contra a cobra, e fico a ver os dois a caírem por um buraco abaixo. Mulheres há muitas mas vidas só há uma!
Não, peço desculpa. A última foi… Bem, não vale a pena ir por aí. Estas e outras situações impagáveis acontecem em Spelunky, um jogo com visuais queriduchos de 8-bits e uma jogabilidade repleta de pequenas referências e subversões a tudo o que consideramos sagrado nos videojogos. Derek Yu, o seu autor, imaginou um jogo de plataformas em 2D que se comportava como um “roguelike” – um subgénero dos jogos de role-play que assenta, primariamente, no combate e exploração, cujos níveis e objectos são gerados aleatoriamente a cada novo jogo, e nos quais perder implica começar tudo de novo. A quantidade absurda de opções e possibilidades nestes jogos são um mimo mas a dificuldade por vezes cruel é um preço alto demais para muitos jogadores.
Spelunky pertence a essa colheita e está para os jogos de plataformas um pouco como Grand Theft Auto está para os jogos sandbox – a exploração do mundo é tão determinante na experiência quanto a nossa exploração das regras e de quantas delas conseguimos dobrar ou até quebrar. É possível destruir níveis inteiros com explosivos. Ou usar donzelas como armas de arremesso e escudos humanos. Ou matar à caçadeira donos de lojas e roubar o que têm à venda, o que resulta em que todos os outros lojistas nos persigam até à morte nos níveis seguintes. Ou encontrar um nível que é fácil demais para o próximo nos matar com um aranha gigante nos primeiros segundos.
É, na sua essência, um Super Mario sádico. Ou um Indiana Jones sacana. É um jogo de amanhã com gráficos de ontem. É uma série de promessas que a indústria ainda não soube cumprir. E tal como Megaman 9, Bionic Commando Rearmed e Braid, é prova de que jogar vale a pena mesmo quando a resolução é pequena.
Derek Yu partilhou o amor que tem por esses dois géneros com jogadores de PC em finais de 2008. Felizmente, a “Igreja de Spelunky” quer angariar mais convertidos – o jogo vai ser lançado para o Xbox Live Arcade já em 2010.
Fiquem de olhos abertos e não passem ao lado de um jogo que não tem problemas em dizer que perder pode ser tão divertido quanto vencer.
Este texto pode ser encontrado na minha coluna de opinião, Visão Periférica, na revista Smash! 8, já nas bancas. Nesta edição analisei Modern Warfare 2, da Infinity Ward, falei de Style Boutique (medo), Epic Mickey, e analisei New Super Mario Bros. Wii, Rabbids Go Home, Os Sims 3: Aventuras no Mundo e LostWinds: Winter of the Melodias.
Teve a sua piada lembrar-me disso ao ler porque na altura gostava muito do Rick Dangerous e era daqueles casos que nunca mais me tinha passado pela cabeça nos últimos anos.
Em relação ao papel e internet, gosto de ambos os formatos e ainda gosto muito do papel, tanto por isso de um artigo ter de ser mais conciso e informativo devido ao limite de espaço e até pelos layouts, como até do aspecto táctil. E sim, na net paredes de texto grandes podem afastar sem dúvida as pessoas, especialmente se não usarem uma boa fonte e não separarem o texto em vários parágrafos ou blocos.
Mas quando digo que gosto mais de os ler aqui ou no No Continues no que toca aos teus textos, é muito pelo formato da revista, da Smash em si e até do nível de outros conteúdos. Basicamente, espero que ela seja mais um passo para te proporcionar voos mais altos posteriormente, porque por agora o teu tipo de escrita, qualidade e assuntos, diversas vezes, sinto-os como se fossem ‘mal empregues’ (note-se as aspas) no meio do resto.
De qualquer modo, eu sou suspeito visto que não me agrada mesmo nada as abordagens que encontro nas revistas de jogos actuais, especialmente cá. E sim, apesar do que se diga, a Smash é essencialmente uma revista de jogos e tecnologias.
Eu vejo os títulos, capas, estruturas, etc, e parece-me que isto invés de evoluir parece regredir cada vez mais, muitas vezes, para mal de quem escreve bem até, que vai ficando mal visto ou ignorado devido ao resto. Mas é assim que o público quer supostamente, como tal, é assim que as coisas vão indo.
Ora bemvindo, Azelpds! Por acaso, há semelhanças entre o Spelunky e o Rick Dangerous, em termos estéticos e de mecânicas de jogo, por isso é normal
Em papel é sempre diferente. Não sei qual gosto mais. Em papel é “por comissão” mas há a vantagem de ter que ser o mais informativo no menos espaço possível; por aqui ninguém dita o número de caractéres, mas a desvantagem é suspeitar de que as paredes de texto afastam as pessoas
Pode parecer estranho, mas ao ler o início do texto e as peripécias pensei que irias falar do Rick Dangerous. :p
Gostei de ler, como sempre, mais aqui do que em papel diga-se.