“We will teach you the art of struggle
and the meaning of battle
and the lesson of peace”
- Samih Al-Qassem, “Atillu wa Asghu” (“Look Around and Pay Attention”)
Contexto.
Estou a jogar Modern Warfare 2. É uma história tradicional de soldados desconhecidos tornados heróis, vilões de última hora, uma guerra contada num vocabulário fragmentado não muito distante do terrorismo de consumo rápido criado pelos telejornais. É uma viagem alucinante, com uma composição musical que ruge ao longo dos níveis urgentes que fazem o seu melhor para esconder as raízes de corredor de Doom, esse avô enérgico de todo um género que se senta no alpendre a alardear a coragem e heroísmo dos anos que passou na guerra. “No meu tempo, não nos perguntávamos se podíamos falar com os monstros, disparávamos e pronto”.
Há momentos muito bem conseguidos. Um nível em particular tem um uso notável de direcção e iluminação: estamos impotentes, a correr através de uma série de telhados enquanto evadimos rajadas de tiros e a única coisa que nos guia – para além da voz premente do nosso superior – são luzes e sombras, que revelam apenas o essencial do caminho a seguir enquanto caiem sobre tijolos e telhados de metal. Outro nível transforma a escuridão e a chuva nos verdadeiros inimigos e a iluminação que emana de pequenos fogos em redor são mais importantes para a sobrevivência do jogador do que qualquer brinquedo tecnológico ao nosso dispor. Momentos como estes seriam arruinados nas mãos de estúdios menores e só poderiam ser bem executados por um punhado de outros, como a Valve.
Também ficamos com a sensação de que somos o filho ilegítimo de Bond e Bauer a brincar no quintal do Michael Bay e que é constantemente empurrado em direcção ao próximo objectivo condescendente, quer seja uma meta invisível ou um objecto que brilha algures no cenário. É Call of Duty decidido por comité, com a habitual correria à procura de RPGs para derrubar helicópteros mas agora com jargão tecnológico extra. Terrorismo vago, Médio Oriente vago, Europa de Leste vaga, motivos vagos. Há também um momento peculiar onde o lançamento de um míssil nuclear mais parece uma sequência Square-Enix, tal é a duração e o exagero. Personagens cuja personalidade nunca foi mais complexa do que conselhos em bolinhos da sorte desenvolvem um sentido de honra desconjuntado e disparam chavões por entre refrões de pornografia bélica. É puro ruído. Mostra um estúdio absolutamente confiante no que está a tentar fazer, sim, mas está mais interessado em ser ruidoso e furioso do que uma experiência coesa como o foi a prequela em 2007.
Mesmo assim – uma viagem alucinante.
Até aquela cena.
Contexto.
E spoilers.
Estou a jogar Modern Warfare 2. Apesar de toda a atenção da imprensa e dos elogios dos jogadores, a Infinity Ward é considerada um estúdio “seguro” em alguns círculos. Isto é, um estúdio que não ousa tomar riscos criativos nos seus jogos. O que não é verdade: eles empurram os jogadores para território desconfortável. FPSs não são estranhos à violência e à morte – convém lembrar, este é o género que olhou para as aventuras point’n'click e pensou que seria mais divertido caçar os pixels da cara de um tipo e fazê-la explodir com um clique – e tradicionalmente são feitos para glorificar e empoderar os jogadores. O mais simples dos objecitvos é disfarçado com motivos heróicos. Mulheres virtuais nestes jogos são muitas vezes mercadoria ou um prémio. Headshots são a derradeira expressão de masculinidade para jogadores enfeitiçados pelo género, uma pulsão sexual que floresce quando humilhamos os nossos adversários com o poder das nossas armas fálicas.
Mas desde Call of Duty 4: Modern Warfare que o estúdio tem colocado um geração inteira de jogadores – de consola, na maior parte, mas certamente não todos – numa posição única. As personagens principais, personagens activamente controladas pelos jogadores, morrem. Uma morte derradeira. É possível argumentar que ao passar boa parte do tempo a ‘morrer’ e a ressuscitar num ciclo Looney Tunes, que isso imediatamente põe em causa a ideia de morrer – mas isso seria argumentar que a morte num videojogo enquanto resultado das suas mecânicas é o mesmo que a morte num videojogo enquanto resultado da sua narrativa. E não é. Em termos de destruição simbólica, daquilo que é predominantemente o aspecto principal de empoderamento do jogador, é uma espécie diferente sob o escrutínio de um microscópio diferente.
Isto porque, apesar de todas as comparações com o cinema, os videojogos têm mais em comum com o teatro. O teatro é uma experiência que não pode ser transmitida sem o espaço do teatro em si, da mesma maneira que uma narrativa num videojogo não pode ser sentida sem estarmos cientes do espaço ficcional onde decorre. Ambas as audiências precisam de aceitar que estão num lugar específico para que a narrative se torne “real”. No teatro temos a reciprocidade do palco, dos actores e da audiência; nos jogos temos a reciprocidade do mundo virtual, das suas regras e métodos de controlo. Ambos pedem às suas audiências respectivas que compreendam as falsidades codificadas no meio como necessárias para apresentar um contexto natural.
Voltar repetidamente à vida em Modern Warfare após morrermos é um contexto natural do jogo (fazer “reload” é um mecanismo de jogo, o conjunto de regras codificadas que temos de aceitar para continuar a jogar – é um mecanismo cuja função é fazer com que observemos outros mecanismos, como a posição dos inimigos, a energia do jogador ou granada atiradas na nossa direcção); morrer de modo final em Modern Warfare sem a transparência desse artefacto mecânico é o contexto natural da narrativa (a ausência de uma opção de “reload” é um mecanismo cuja função é fazer esquecer todos os outros mecanismos, apesar de continuarmos sujeitos às suas regras, como o movimento e a orientação da câmara). Quando passamos aqueles dolorosos segundos a rastejar para fora do helicóptero destruído para presenciar a chuva de cinzas enquanto um cogumelo nuclear cresce no horizonte em Modern Warfare, aceitamos que até aquele ponto era tudo um jogo – e que o momento após a detonação da bomba é todo ele narrativa.
E em termos de um género que sempre empoderou os seus jogadores isto é tudo menos “seguro”. Outro FPS em tempos recentes que fez algo parecido foi Quake 4. Quake é outra série que sempre prosperou no seu machismo, o exército de um só homem a triturar hordas de criaturas deformadas e horríveis. A id Software, por comparação, sempre foi um estúdio seguro em termos de estrutura de jogo e foco narrativo apesar da controvérsia que as suas maratonas de ‘gibs’ causaram – nunca nos passaria pela cabeça que nos fizessem algo arriscado. Estamos a jogar Quake. Somos o herói. Tudo vai correr bem. Mas não corre e a personagem principal sofre uma amputação irreversível (simbólica: a primeira do género na série Quake, e a quebra com a tradição do empoderamento) pela mão dos Strogg, o seu corpo transfigurado até se tornar o “outro”, a própria coisa que visava destruir. E durante todo aquele processo, os jogadores apenas podem assistir.
É este o tipo de coisa que a Infinity Ward faz, e que faz melhor.
Ou que fazia, até Modern Warfare 2.
Contexto.
E mais spoilers.
Estou a jogar Modern Warfare 2. A quarta missão – entitulada “No Russian” – vê o jogador na pele de um agente da CIA infiltrado numa célulua terrorista com o objectivo de capturar o seu líder, Vladimir Makarov. A única coisa a que podemos chamar de instruções é dada pelo General Sheperd antes do início da missão. Makarov é descrito como alguém que “não tem regras, nem limites”, alguém que “não foge à tortura, tráfico humano, ou genocídio”. Ele é suposto ser o nosso “novo melhor amigo” e é tornado implícito que para isso acontecer, houveram custos – mas também, que o que se segue nos vai custar algo mesmo que tal custo não se compare ao que iremos salvar.
Nas nossas mãos, uma arma automática. As portas de um elevador abrem e os membros da célula terrorista onde estamos inflitrados entram num terminal de aeroporto. Seguimos os homens. À nossa frente, estão vários civis absortos. Makarov e o resto do grupo abre fogo. É um claro acto terrorista, por muito virtual que seja. Civis são bombardeados com chumbo. Caiem. Poças de sangue mancham o chão. Enquanto os homens atravessam o terminal disparam contra vítimas indefesas e ensanguentadas. Um homem que tenta arrastar uma vítima para fora dali é baleado. Quase que posso jurar que ouço o choro de um bebé ao longe. É possível olhar para tudo isto e notar que alguns civis padecem de uma repetição de texturas, sons e animações. Mas isto é um soluço tecnológico – de resto, a animação convincente e o uso superlativo de áudio fazem um trabalho fantástico (na acepção total da palavra) de tornar a cena bastante vívida. Tudo isto é “virtual”, sim. Também não é “seguro”. É desconfortável, agonizante, deprimente e muito possivelmente para alguns, repugnante.
É precisamente por isso que a cena funciona.
Não vou elaborar sobre temas como “os jogos são arte” ou “poderá isto ser arte” ou “poderá isto elevar os jogos a arte” porque não estou qualificado o suficiente para molhar os pés nesse tipo de tema e porque não tenho a pretensão de desafiar anos de dogma auto-imposto pelos jogadores. Resumindo, a maior parte dos jogadores são hipócritas quando confrontados com este tipo de situação. Quando os videojogos são criticados por alguém exterior ao meio, os jogadores içam imediatamente a bandeira “é arte”. Mas, basta uma cena destas crepitar nos fogos da controvérsia para que adoptem a ideia de que “é apenas um jogo”. Jogadores, regra geral, estão presos algures entre exigir reconhecimento artístico para os videojogos mas apenas esperar deles “entretenimento” e “divertimento”.
Só que arte e entretenimento não são mutuamente exclusivas ou mutuamente inclusivas. Guernica não foi pintado para que a audiência batesse palmas. Lolita não foi escrita para gerar sorrisos. E claro, O Rochedo não estava a tentar discutir filosofia. Se querem argumentar que os videojogos são arte então é preciso aceitar que apesar de poderem “entreter” e “divertir”, também podem não o fazer – por vezes, o objectivo é provocar uma resposta, é confrontar a audiência. A intenção por detrás da arte pode ser exactamente aquilo que Ballard disse querer fazer quando escreveu Crash – passo a citar, “esfregar a cara da humanidade no seu próprio vómito e forçá-la a olhar para o espelho”.
É por isso que, pelo menos em conceito, a cena funciona. Alguns jogadores resguardados pelo anonimato que a internet oferece têm dito que se “entreteram” com a cena e que a acharam “divertida”; que se divertiam genuinamente ao disparar contra civis e que lamentavam que os terroristas os tivessem privado desse gozo ilícito. Outros jogadores revelaram-se agitados, indispostos e que não conseguiram aguentar a cena. Este tipo de momentos são importantes na arte – remover a audiência do status quo, dissipar a ideia que a arte nunca pode ser tão falida, tão feia, tão demente ou tão brutal quanto nós próprios, quanto os que criam a arte em si. Devem fazer e é assim que deve ser feito.
E quando a Infinity Ward nos coloca na pele de alguém que mata não para sobreviver mas sim para simplesmente exterminar, isso levanta questões e sobrancelhas. É isso que deve fazer. De novo, território desconfortável – temos jogado uma série que polvilha “achievements” sobre o seu militarismo bombástico. Temos jogado uma série num género que fundamentalmente não é mais do que matar ou morrer. Mas neste momento, partindo do princípio que responderam “sim” – duas vezes – ao aviso da Infinity Ward de que conteúdo potencialmente chocante está ao virar da esquina, apenas temos duas escolhas: matar ou ver matar. Sim, jogos não existem num vácuo e seria ridículo dizer que nunca nenhum outro jogo no género, ou até fora dele, fez algo assim. Mas não estamos em território Deus Ex ou Thief onde podíamos evitar conflito directo ao usar elementos como sombras ou túneis de ventilação.
Aqui, mesmo que não se pressione o gatilho virtual, somos forçados a presenciar a execução durante o nível. A Infinity Ward teve, inclusivamente, o cuidado extra de bloquear a nossa habilidade de correr para garantir que seria uma longa caminhada até ao fim do massacre. A ideia é boa. Em termos de expor as suas personagens, é uma maneira de criar antipatia para com Makarov nos jogadores (discutivelmente, não resulta já que Makarov acaba por ser um antagonista periférico que tem pouca presença no ecrã e na história). Em termos de explorar um tema, é uma tentativa de convidar a audiência a pensar sobre o tipo de sacrifícios necessários durante uma guerra (discutivelmente, não resulta porque a história berra muito e diz pouco, e é desprovida de qualquer discurso significativo sobre o assunto). Mas eis a problemática. A Infinity Ward sempre conseguiu equilibrar os dois aspectos de que falei anteriormente – a lente que nos guia através do contexto natural do jogo e da narrativa. Para fazer isto escolheram o caminho da linearidade, o qual – em muito semelhante à lente de um realizador de cinema – guia a nossa visão através dos momentos necessários.
Mas aqui está a razão pela qual a cena falha.
Há quem afirme não ser afectado pela violência nos videojogos porque “não é real”. Será um problema com os níveis de virtualidade presentes no trabalho? Será um problema exclusivo aos gráficos de computador? Sairíamos das nossas salas ou quartos se o jogo nos apresentasse uma cena análoga aos nove minutos contínuos de violação que marcaram Irréversible em 2002? Ambos os casos operam com as mesma regras – é uma história fictícia. É representação. Nada daquilo é real. Ninguém está a ser magoado. Mas o que faz – o que o jogo faz, o que o entretenimento também pode fazer, o que a arte já fez – é oferecer às audiências um outro modo de ver. Não é preciso imitar a “vida real” na arte para dialogar com a audiência – apenas uma “vida”, um contexto, que seja “real” o suficiente.
É por isso que quando Makarov e a sua gangue decidem premir gatilhos eu permaneço um observador silencioso. Enquanto prosseguem eu recuso abrir fogo, enquanto tento afogar uma certa repulsa, por vezes a não conseguir acompanhar o grupo. Algum tempo depois, chego ao final do nível e Makarov dispara contra mim à queima-roupa e é dado a entender que ele percebeu a minha ligação à CIA. O jogo continua. A Rússia invade os Estados Unidos em retaliação face ao acto terrorista.
Agora, começo a pensar sobre as minhas acções. Sheperd avisou-me que eu teria de fazer sacrifícios. Assumo que o objectivo é não levantar suspeitas para conseguir capturar Makarov e que para isso tenha que tomar parte desta atrocidade para não ser descoberto. Porque terei sido descoberto? Foi a recusa em disparar? Porque demorei algum tempo a acompanhar o grupo? Repito o nível e, contra mim próprio, começo a disparar contra os civis na esperança de estar a fazer um “bom trabalho” a convencer Makarov do meu amor à camisola. Mas no fim do nível ele volta a disparar contra mim à queima-roupa. A Rússia invade os Estados Unidos à mesma.
O que faz do “sacrifício” algo vão porque não há nenhum sacrifício para fazer.
Esta ilusão de escolhas apenas oferece uma dicotomia falsa. Não há sacrifício para fazer porque não nos é dada a escolha de o fazer. Não somos forçados a matar para manter a nossa posição dentro do grupo terrorista. Os civis não são um objectivo – são uma desculpa mal pensada que deixa um mau gosto na boca. Não somos empurrados contra um dilema moral – não há nenhum. Isto não só arruína a teia narrativa e coesa que a Infinity Ward sempre criou com sucesso, mas também leva-nos a pensar que o estúdio debruçou-se sobre a violência nos videojogos da mesma maneira que a Fox News o faz – fora de contexto.
Porque a cena falha – ter liberdade para decidir algo quando somos aprisionados por uma escolha tomada em nosso nome.
De volta à sequência da bomba nuclear em Modern Warfare. Uma bomba nuclear explode ao longe. A personagem controlada pelo jogador está dentro de um helicóptero militar. Imaginemos que podíamos saltar a partir da rampa aberta – a partir da qual temos um ponto de vista priveligiado sobre a detonação. Saltamos do helicóptero em movimento, caímos no chão e morremos – se não da queda, então da explosão. De que valia uma escolha nessa situação? Pensemos no último nível de Modern Warfare quando estamos no chão, indefesos e Price nos atira a sua pistola para abatermos Zakhaev. Imaginemos que independentemente de disparar ou não disparar contra Zakhaev ele ele morreria de qualquer maneira. Qual o propósito de nos ser oferecida uma escolha cuja decisão não tem impacto no modo com que a história avança?
De que vale a escolha de podermos disparar ou não disparar em “No Russian” se a nossa decisão não tem impacto em como a história avança? Call of Duty nunca teve pudores quanto à sua linearidade. Não é um jogo de role-play saturado com escolhas e consequências. Nem sequer chega ao nível de uma novela virtual. Apenas nos sentamos no banco do passageiro e tentamos apreciar a boleia até ao máximo enquanto dura. Isto não é uma crítica quanto ao formato narrativo do estúdio, mas sim uma dúvida quanto à necessidade de sermos colocados numa encruzilhada cujos caminhos levam todos ao mesmo destino. Tudo aquilo é minado: somos atormentados por um sacrifício que nunca temos que fazer, somos avisados sobre um custo moral que nunca volta para nos assombrar, temos até a possibilidade de disparar contra Makarov apesar de ele ser invencível para preservar a narrativa. Narrativa essa que, em outras alturas, é boa e consegue surpreender até num nível puramente visual.
Videojogos baseados em guerra têm quase sempre sido excelentes ao traduzir a euforia da vitória. Um pequeno número deles até representou a agonia da derrota de maneira incrivelmente detalhada. Mas Modern Warfare 2, e “No Russian” em particular, apenas caminha para lado nenhum. Alguns jogadores têm tentado defender a inclusão da missão baseados na natureza opcional da mesma. Mas dizer que “somos empoderados para deixar o conteúdo fora da nossa experiência” é ingénuo – não se pode argumentar a favor da existência da missão e depois dizer que é opcional. Não se pode ostentar a sua necessidade para a narrativa e depois encorajar a passar ao seu lado. Não se pode aplaudir os videojogos que não têm receio de ter um discurso (seja ele político, moral ou de qualquer outro cariz) e depois apoiar a noção de que a única maneira de discordar com esse mesmo discurso é proteger-nos dele. Não se pode discordar daquilo que não se conhece.
Ao permitirem os jogadores deixar o nível de fora do contexto narrativo, a Infinity Ward está basicamente a dizer que o nível é de pouca ou nenhuma consequência para o resto do jogo – e, caso se sintam inclinados a jogar o jogo de princípio ao fim sem aceder a “No Russian”, é algo que se torna óbvio demais. Ao tomarem a escolha de incluir um nível desta magnitude no seu jogo, mostraram uma convicção inabalável: ao permitir que o ignoremos a convicção dá lugar à cobardia. Ironia: um estúdio que tomou tantos riscos criativos acaba por escolher a opção mais segura.
Modern Warfare 2 esteve na posição única de desafiar os jogadores a reavaliar o poder do meio, mesmo que não fosse esse o objectivo da Infinity Ward. Espero que aqueles que se sentiram genuínamente afectados por “No Russian” saírão da experiência com uma nova perspectiva sobre a violência nos videojogos e até sobre o poder do meio. Os jogadores também podem ser levados a pensar mais aprofundadamente sobre o direito que um autor tem de confrontar a audiência mas paradoxalmente, isto requer ignorar a proposta que os autores fazem de ignorar a sua própria expressão. Entretanto, os auto-proclamados jogadores hardcore cujo único gozo que esperam tirar daquilo é gritar obscenidades online e saborear a ideia de que tudo que se assemelhe a uma pessoa deve ser baleado para que seja “divertido”, apenas verão o jogo como um blockbuster de Verão com um punhado de minutos chocantes – os quais não deverão durar na memória mais que uns meses.
Por si próprio ou enquanto parte de um todo, “No Russian” é nada seguido de nada. Como mensagem, é ténue; como ideia que merece ser explorada nos videojogos, o seu mérito fica à sombra de uma falta de elegância e de contexto; como nível num jogo, a sua reciclagem de um lugar-comum do género não tem ambição ou consequência; como exemplo do quão criativa a Infinity Ward pode ser, é primitivo; como entretenimento, é uma sondagem em progresso.
Contexto.
Estou a jogar Modern Warfare 2. Por vezes, é uma viagem alucinante. Outras vezes, é prova de que os designers não devem forçar significância nos jogadores a não ser que estejam preparados para aceitar que sem contexto, o ónus do sacrifício não é nosso.